O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC)
denunciou dez pessoas na Comarca de Mafra, sendo nove por homicídio qualificado
por motivo torpe, com dolo eventual. O Ministério Público requer na ação, além
da condenação dos denunciados, a indenização pela morte da menina Heloísa
Martins Lisboa que tinha um ano e 20 dias quando morreu porque não havia
combustível na ambulância do Samu para fazer a transferência de Mafra para o
Hospital Infantil de Joinville.
O Ministério Público de Santa Catarina apresentou à
Justiça denúncia contra sete diretores (cinco deles médicos) e dois médicos
socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) catarinense,
além de uma médica plantonista do SAMU pela morte da menina, causada pelo
atraso no atendimento em função da falta de combustível para a ambulância.
A Polícia Civil já havia indiciado a todos por
homicídio culposo, mas o Ministério Público entendeu que as provas produzidas
durante a investigação apontavam para o dolo eventual, sujeitando os
denunciados a uma pena que varia de 12 a 30 anos de prisão.
Na denúncia, o Promotor de Justiça, Rodrigo César
Barbosa, relata que, na madrugada dia 7 de junho de 2017, a paciente deu
entrada no Hospital São Vicente de Paulo, em Mafra, com quadro de
broncopneumonia com necessidade de internação. Na noite seguinte, o quadro
clínico da criança se agravou e, na manhã do dia 8 de junho, foi confirmado que
havia uma vaga em UTI no Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, em Joinville.
Às 10 horas do mesmo dia, foi feito o primeiro
contato com o SAMU para viabilizar a transferência do paciente. A viatura, no
entanto, não foi disponibilizada por estar sem combustível. O pai da menina,
Alexandro Lisboa, tentou pagar o abastecimento do veículo, mas as autoridades
do SAMU não permitiram que isso fosse realizado por terceiros.
Às 17 horas, o quadro clínico agravou-se ainda mais,
e Heloísa precisou ser entubada e de ventilação mecânica. Somente às 23h30, foi
iniciado o deslocamento da vítima, mas ainda sem combustível para chegar a
Joinville. Então, foi feito transbordo (transferência para outra ambulância) em
um posto de combustível na cidade de Rio Negrinho.
A ação durou cerca de uma hora, e só então a
ambulância seguiu para o Hospital de Joinville, onde chegou por volta das 2h40
do dia 9 de junho. Em Joinville, pouco depois das 12h30 do dia 10 de
junho, a menina faleceu após sofrer três
paradas cardíacas.
Laudo apontou que riscos eram mínimos em caso de
transferência no horário certo
Segundo laudo do Serviço de Medicina Pericial do
MPSC, caso a transferência da criança tivesse sido feita quando estava estável,
antes da necessidade de ventilação mecânica; e seu transporte tivesse sido
feito de forma direta para Joinville, os riscos seriam mínimos.
Diante dos fatos, o Promotor de Justiça atribuiu a
nove dos 10 denunciados o crime de homicídio com dolo eventual, ou seja, que,
ao se omitirem, assumiram o risco do resultado que sabiam possível: a morte da
criança.
Quatro dirigentes do SAMU foram responsabilizados
pelo MPSC por negar a possibilidade de abastecimento por terceiros, mesmo tendo
plena ciência da gravidade do caso. Eles ocupavam cargos de coordenação e
gerência na época.
O Ministério Público também responsabiliza pela
morte das crianças três médicos reguladores regionais. Os três, pelo cargo que
ocupavam, tinham a prerrogativa de requisitar recursos/serviços públicos ou
privados ante a excepcional situação de emergência, mas não o fizeram.
Foram denunciados, ainda, por crime de homicídio com
dolo eventual dois médicos socorristas, que, mesmo acompanhando o caso
pessoalmente, não autorizaram o abastecimento da ambulância do SAMU por
terceiros.
A décima pessoa denunciada pela morte da criança foi
uma médica socorrista. No caso dela, por homicídio culposo, por não estar
presente no posto de trabalho para o início de seu plantão, às 19 horas do dia
8 de junho, o que contribuiu para o atraso do atendimento.
O Promotor de Justiça requereu que o caso seja
levado a Júri Popular (competente para julgamento de crimes contra a vida) e,
ao final, a condenação dos denunciados pelos crimes apontados, além do
pagamento de indenização no valor mínimo de R$ 500 mil aos pais da criança, de
maneira solidária pelos denunciados.
Para garantir o pagamento de eventual indenização, o
Promotor requereu o bloqueio de bens dos denunciados até o limite de 1 milhão
de reais. A denúncia foi apresentada à Justiça nesta quarta-feira (5/12) e
ainda não havia sido recebida pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Mafra.
Somente após o recebimento, os denunciados passam a figurar como réus em ação
penal, na qual terão amplo direito à defesa. Por isso, a reportagem não
divulgou os nomes dos denunciados.